29 OCT 2025
A imagem é conhecida: uma chama constante que colore o céu noturno de laranja. Durante décadas, o setor upstream aceitou esse fogo como parte da paisagem. Hoje sabemos que continuar queimando gás associado é desperdiçar energia, valor e tempo climático. Os dados mais recentes mostram que o mundo voltou a níveis comparáveis aos máximos da última década: uma estagnação na faixa de 140–150 bcm [bilhões de metros cúbicos] anuais que a indústria ainda não resolveu. É, ao mesmo tempo, uma perda dupla: para os balanços das companhias e para o meio ambiente.

O que é flaring e por que ele persiste
O flaring é a combustão controlada do gás natural que emerge junto com o petróleo; difere do venting, que é a liberação direta sem queima. Em teoria, o gás associado deveria ser capturado e aproveitado; na prática, quando “não tem para onde ir”, acende-se a tocha. As causas são operacionais (aliviar pressão e evitar acúmulos perigosos), de infraestrutura (falta de coleta, compressão e tratamento), econômicas (preços muito baixos ou mercados distantes) e regulatórias (licenças demoradas ou aplicadas de forma desigual).
Em campos isolados ou de baixa produção, o custo de capturar e transportar o gás sempre foi considerado proibitivo — especialmente em países com preços locais subsidiados — o que levou a tratá-lo como um subproduto sem valor. Além disso, a tocha não é perfeita: parte do tempo fica apagada ou com combustão degradada, o que faz com que, além do CO₂, escape também metano. Em um horizonte de 20 anos (GWP20), o metano aquece cerca de 80 vezes mais que o CO₂; portanto, cada metro cúbico não destruído tem um peso desproporcional no curto prazo.
Impactos ambientais, energéticos e econômicos da queima de gás
Queimar gás não o faz desaparecer: ele se transforma principalmente em CO₂ e, quando a combustão é incompleta, libera metano. Em escala global, o metano domina o aquecimento em horizontes curtos; por isso, reduzir flaring e venting é uma das ações de mitigação mais imediatas disponíveis para o setor de petróleo e gás.
Em nível local, as tochas emitem fuligem (carbono negro) e outros poluentes que degradam a qualidade do ar; a poluição luminosa e sonora também afeta o entorno e as comunidades próximas.
Do ponto de vista energético e econômico, o flaring representa um enorme custo de oportunidade: esse gás poderia gerar eletricidade, substituir combustíveis industriais mais caros, ser injetado na rede ou convertido em GNC/GNL para atender à demanda distante. Quando existe alguma rota de escoamento viável, a tocha deixa de ser um “mal necessário” e passa a ser um sintoma claro de ineficiência.
Panorama global e regional do flaring: volumes, tendências e custos
Em 2022, o volume mundial de gás queimado caiu para cerca de 139 bcm (–3% em relação a 2021), o nível mais baixo desde 2010, graças às reduções em países como Nigéria, México e Estados Unidos. No entanto, a tendência se inverteu: em 2023 voltou a subir para ~148 bcm, e os dados mais recentes indicam que o mundo permanece próximo aos níveis máximos da última década.
Ou seja, a prática tem se mantido no intervalo de 140–150 bcm por anos, mostrando uma estagnação estrutural.
Por regiões, o padrão se repete com nuances. O Oriente Médio e Norte da África (MENA) concentram grandes volumes pela escala da produção e pela distância dos centros de consumo; ali, projetos integrados que combinam compressão, tratamento e processamento já convertem parte do gás em eletricidade e GLP para uso residencial.
Rússia e Ásia Central/Cáucaso mantêm níveis elevados devido à dispersão dos ativos e limitações de infraestrutura. A África Subsaariana apresenta reduções sustentadas quando há multas efetivas, medição confiável e participação de terceiros. A América Latina alterna picos e melhorias conforme a capacidade de escoamento e os marcos regulatórios.
Na América do Norte, a intensidade do flaring (gás queimado por barril produzido) caiu na última década com mais conexões e normas mais rígidas, ainda que ocorram repiques pontuais onde há falta de transporte.

Alternativas para eliminar o flaring (e gerar valor)
A boa notícia é que as soluções existem e já estão sendo aplicadas. A escolha correta depende da vazão e da composição do gás (CO₂/H₂S), da distância até um ponto de consumo ou injeção, do tempo de implementação e do modelo de negócio.
Geração elétrica local (gas-to-power): converter o gás em eletricidade com motores ou turbinas permite abastecer a operação e, quando possível, injetar o excedente na rede. É uma rota direta onde há demanda próxima, reduz custos com diesel e melhora a continuidade operacional.
Reinjeção: devolver o gás ao reservatório mantém a pressão (melhorando a recuperação) ou o armazena temporariamente. Nem sempre gera receita imediata, mas elimina emissões agora e preserva o recurso para o futuro.
Conexão a gasodutos: onde existe rede — ou é viável ampliá-la —, coletar, tratar e comprimir para injetar gás especificado é, por eficiência, a melhor opção. Em ativos dispersos, o essencial é o gathering (definir quais poços conectar primeiro).
GNC (gasoduto virtual curto/médio): comprimir e transportar em contêineres modulares permite escoar volumes médios a curtas e médias distâncias, com CAPEX reduzido e rápida implantação.
Mini-/micro-GNL (gasoduto virtual longo): liquefazer no local com trens modulares permite mover energia em isotanques criogênicos a longas distâncias, sem gasoduto. A modularidade possibilita expandir por etapas e reduzir o time-to-first-gas.
Alternativas de nicho. GTL (gas-to-liquids, incluindo metanol): exige CAPEX e escala elevados — útil apenas em casos específicos. Há também opções táticas, como centros de dados para mineração de criptomoedas on-site: reduzem o flaring e geram receita transitória onde não há rede nem mercado imediato, enquanto se desenvolvem soluções permanentes (complemento, não estratégia central).
A experiência comparada mostra um padrão: sem infraestrutura, GNC ou mini-GNL costumam ser o primeiro passo para transformar a tocha em fluxo de caixa; com demanda elétrica, gas-to-power oferece impacto rápido; e, se a prioridade é cortar emissões imediatamente, a reinjeção funciona como uma ponte até que a rota comercial amadureça. Em todos os casos, o tratamento do gás — remoção de CO₂ e umidade — é o primeiro elo técnico da cadeia.

Sinais regulatórios e compromissos
O metano, por si só, foi responsável por cerca de 30% do aumento das temperaturas desde a era pré-industrial, e o setor de petróleo e gás é uma das principais fontes de emissões antropogênicas desse gás. Por isso, reduzir flaring (e venting) é reconhecido como uma das ações climáticas mais imediatas e de maior impacto a curto prazo.
Zero Routine Flaring 2030 (ZRF)
Lançada em 2015 pelo Banco Mundial em conjunto com o Secretário-Geral da ONU, a iniciativa convoca governos e empresas a não incorporar flaring de rotina em novos projetos e a eliminar o existente até, no máximo, 2030. Diante dos dados recentes, o próprio Banco alerta que, sem medidas aceleradas, a meta parece distante.
Global Methane Pledge
Lançado na COP26 (2021) pela União Europeia e pelos Estados Unidos, busca reduzir em 30% as emissões globais de metano até 2030 (em relação a 2020), com ações nos setores de energia, resíduos e agricultura — sendo o petróleo e gás o principal frente pela rapidez de mitigação possível.
Sinal do mercado de capitais (Texas)
Em 2020, investidores que administram mais de 2 trilhões de dólares pediram à Texas Railroad Commission o fim do flaring rotineiro até 2025, afirmando que as medidas voluntárias não foram suficientes. O caso ilustra como o tema já se tornou um risco regulatório e financeiro.

Experiências bem-sucedidas no mundo
Diversos projetos ao redor do mundo demonstram que reduzir drasticamente o flaring é possível com as condições técnicas e regulatórias adequadas. Esses exemplos servem como referência para replicar modelos em outras regiões, adaptando-se à composição do gás, à vazão e ao contexto de mercado.
Bacia do Permian / Texas — quando a pressão sobe, as chamas caem.
A bacia viveu picos de queima quando faltou capacidade de escoamento e quedas após a entrada de novos gasodutos e controles mais rígidos. Após o apelo público de investidores por “zero flaring rotineiro até 2025”, várias operadoras aprimoraram a medição, instalaram conexões temporárias, aplicaram soluções de gas-to-power em áreas isoladas e desenvolveram cadeias de GNC/mini-GNL para transporte. Com mais capacidade de escoamento, a intensidade do flaring diminuiu mesmo com o aumento da produção.
MENA — do fumo ao fornecimento: eletricidade e GLP residencial.
Em grandes campos, esquemas público-privados integram compressão, tratamento e processamento para gerar eletricidade e produzir GLP para uso residencial com o gás que antes era queimado. O avanço varia entre os países, mas o padrão é claro: projeto integrado + contratos de demanda reduzem o flaring e fortalecem a segurança energética.
Nigéria — regras, medição e terceiros.
Metas de eliminação do flaring rotineiro, taxas por volume e programas de monitoramento permitiram reduções sustentadas. A abertura para operadores terceiros capturarem e utilizarem o gás desbloqueou investimentos e acelerou soluções modulares de gas-to-power, GNC e mini-GNL em ativos dispersos.
Galileo — captura modular e mini-GNL on-site.
Soluções plug-and-play para tratar o gás na cabeça do poço (remoção de CO₂ e umidade) e converter parte do fluxo em GNL local, transportado em isotanques como gasoduto virtual. A modularidade reduz prazos e permite escalar a capacidade por etapas onde não há rede.
Parar de queimar, começar a somar
O problema global do flaring já não pode ser visto como uma simples externalidade inevitável da produção de petróleo, mas como uma oportunidade estratégica desperdiçada. Em um mundo que avança rumo à sustentabilidade e à eficiência, continuar queimando volumes massivos de gás a cada ano — com seu consequente impacto climático e desperdício econômico — é algo inaceitável e evitável.
Os dados mostram tanto a magnitude do desafio (mais de 140 bcm/ano em todo o mundo, concentrados em poucas regiões) quanto o benefício potencial de sua mitigação: reduzir milhões de toneladas de emissões de CO₂ e metano, economizar bilhões de dólares e adicionar nova energia ao mercado.
O histórico problema do flaring pode ser resolvido, transformando o que antes era visto como um resíduo inevitável em um recurso valioso para um futuro energético mais sustentável. E, acima de tudo, encerrar a queima de gás não aproveitado é uma das formas mais concretas e alcançáveis de alinhar a produção de hidrocarbonetos à ação climática.
Fontes
- World Bank / GGFR — Global Gas Flaring Tracker Report 2025; Global gas flaring hits highest level since 2007 (press release, 2025); Global flaring data hub (NOAA/VIIRS datasets); Global Gas Flaring Jumps to Levels Last Seen in 2009 (press release, 2020). – https://www.worldbank.org/en/programs/gasflaringreduction
- Allen, G. et al. (2022). – Inefficient and unlit natural gas flares both emit large quantities of methane. Science. DOI.
- University of Michigan (2022) – Flaring allows more methane into the atmosphere than we thought.
- Global Methane Pledge (COP26, EU & U.S.) — https://www.globalmethanepledge.org
- Zero Routine Flaring by 2030 (World Bank / UN) — https://www.worldbank.org/en/programs/gasflaringreduction/zero-routine-flaring-by-2030
- OGCI — Reducing Methane Emissions / Aiming for Zero Methane
- Bloomberg / WorldOil (2020) – Investment Giants Urge Texas to End Most Natural Gas Flaring
- The Guardian (2025) – Gas flaring created 389m tonnes of carbon pollution last year, report finds.





